Artigo

Direitos dos empregados e dos empregadores em tempos de coronavírus

 

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga*

29 de março de 2020 | 09h00

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga. FOTO: DIVULGAÇÃO

A propagação do coronavírus em tempo recorde provocou alterações imediatas em todo o planeta.

No dia 11.03.2020 a Organização Mundial de Saúde declarou tratar-se de uma pandemia mundial e recomendou a limpeza e higienização do local de trabalho, a promoção regular de limpeza das mãos e a disposição de lenços em locais de fácil acesso, com a adoção do teletrabalho sempre que possível.

 No intuito de se evitar a circulação de pessoas e limitar os vetores de transmissão da covid-19, o isolamento social foi recomendado em muitos países, inclusive no Brasil.
 A Lei n. 13.979/2020 dispõe acerca das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

A lei define como isolamento a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus. Já a quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Tais medidas poderão ser adotadas, assim como a restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país e locomoção interestadual e intermunicipal.

O período de ausência decorrente da aplicação das medidas inseridas no art. 3º da referida lei será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada. No entanto, as medidas de isolamento e quarentena somente poderão ser tomadas pelos gestores locais de saúde, mediante autorização do Ministério da Saúde.

Em relação aos afastamentos não decorrentes do coronavírus, aplicam-se as disposições gerais para licença por motivo de saúde, ou seja, os trabalhadores filiados ao Regime Geral de Previdência Social incapacitados para o trabalho por mais de 15 dias têm direito ao auxílio-doença. Durante os primeiros 15 dias consecutivos de afastamento, cabe à empresa pagar ao empregado o seu salário integral. Após o 16º dia, o pagamento é feito pelo INSS.

Os demais filiados ao INSS, como prestadores de serviço, profissionais autônomos e outros contribuintes para a Previdência, também podem acionar o órgão para ter direito ao auxílio-doença.

Em meio a pandemia, foram anunciadas duas medidas relevantes[1]. A primeira é que o trabalhador pode obter o auxílio através do site ou aplicativo do instituto, sem precisar se deslocar a uma agência do INSS. A segunda é que, diagnosticado com o coronavírus, os primeiros 15 dias seriam pagos pelo Governo Federal, desonerando o empregador.

Exaurido o período do auxílio-doença, não há qualquer norma que assegure a estabilidade no emprego do empregado que contraiu a covid-19, salvo se ficar comprovado o nexo causal entre a contaminação e a atividade desenvolvida, ocasião na qual será reconhecida como doença ocupacional (art. 29 MP 927).

No dia 22.03.2020, foi publicada a Medida Provisória n.º 927 que dispõe acerca de medidas trabalhistas que poderão ser adotadas para o enfrentamento do estado de calamidade pública (reconhecida pelo Dec. n.º 06 de 20 de março) e da emergência de saúde pública.

Portanto, para a preservação do emprego, poderão os empregadores adotar as medidas enumeradas na MP, sendo que seu conteúdo poderá ser efetivado enquanto durar o período de calamidade pública, sendo que este constitui a força maior prevista no art. 501 da CLT.

Não iremos tratar do famigerado art. 18 que previa a suspensão dos contratos de trabalho pelo prazo de 4 meses, mas que foi “revogado”, no dia seguinte, em razão da publicação da MP 928/2020.

Importante destacar que a MP 928, além de revogar o art. 18 da MP 927, trouxe restrições à Lei de Acesso à Informação. Todavia, no dia 26.03.2020, ao apreciar medida cautelar na ADIn 6.351, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a eficácia de dispositivo da Medida Provisória que restringia a lei de acesso à informação. De acordo com a decisão, a publicidade específica de determinada informação somente poderia ser excepcionada quando o interesse público assim determinar.

Durante o estado de calamidade pública, empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, no intuito de assegurar a continuidade do vínculo de emprego, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal (Art. 2. º).

É preciso contextualizar que o referido dispositivo está sendo adotado em um período sem precedentes na história do Brasil e do mundo. Nada obstante muitas críticas têm sido feitas e provavelmente os acordos que forem firmados poderão ser judicializados no futuro, o que demandará um olhar atento dos magistrados.

À guisa de exemplo, poderia um empregado ficar em casa sem trabalhar, durante um mês e concordar receber 50% do seu salário mediante um acordo formal com seu empregador? Entendemos que sim, exatamente pelo princípio da preservação do emprego nesta situação excepcional e a vantagem para o empregado em receber salário, ainda que de forma parcial, mesmo sem estar trabalhando.

O art. 3º da MP estabelece, de forma exemplificativa, quais medidas poderão ser adotadas para preservação de renda e emprego, dentre elas: 1) o teletrabalho; 2) antecipação de férias individuais; 3) concessão de férias coletivas; 4) aproveitamento e antecipação de feriados; 5) banco de horas; 6) suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho; 7) diferimento do recolhimento de FGTS.

As medidas que poderão ser adotadas serão explicadas abaixo.

O art. 30 da MP 927/2020 autoriza a prorrogação de acordos coletivos a critério exclusivo do empregador. Em uma situação de normalidade tal dispositivo poderia significar afronta ao disposto no art. 8º da CF que determina ser obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”. Por se tratar de uma situação excepcional, tal exceção estaria justificada.

O atual momento, provocado por um inimigo invisível, requer reflexões e para superação deste cenário nefasto será necessário o amplo diálogo, concessões recíprocas e conciliação.

O Teletrabalho

As relações de trabalho sofreram brusca mudança e provavelmente algumas delas serão irreversíveis como a adoção, cada vez mais frequente, do teletrabalho.

Não é todo trabalho a distância que é enquadrado como teletrabalho. O trabalho à distância por ser aquele realizado de forma externa, em casa (home office) ou em outro local. O teletrabalho estará caracterizado quando a prestação de serviços se der preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

De acordo com o artigo 75-C da CLT, a prestação de serviços nessa modalidade deve constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades realizadas pelo empregado. O teletrabalho pode ser estabelecido por mútuo consentimento entre empregado e empregador a partir de aditivo contratual.

A MP afastou exigências legais ao permitir que o empregador possa alterar o regime de trabalho independentemente de acordo individual ou coletivo e sem a necessidade de alteração contratual. Contudo, a alteração de trabalho presencial para teletrabalho deverá ser comunicada ao empregado no prazo de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.

A responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, e o reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30, contados da data da mudança do regime de trabalho.

Na hipótese de o empregado não possuir a infraestrutura necessária e adequada e os equipamentos para a prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial. Na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

Antecipação de Férias Individuais

O empregador poderá informar ao empregado acerca da antecipação de suas férias com antecedência de pelo menos 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.

As férias poderão ser concedidas mesmo que o período aquisitivo não tenha transcorrido, mas não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos. Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.

Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas.

O empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48horas.

O pagamento do adicional de 1/3 poderá ser feito após sua concessão, até a data em que é devido o 13 salário. Já as férias serão pagas até o quinto dia útil do mês subsequente ao início da fruição.

O eventual pedido de conversão de um terço de férias em abono pecuniário estará sujeito à concordância do empregador.

Concessão de Férias Coletivas

Poderão ser concedidas férias coletivas com a notificação do conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48 horas, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT.

Não será necessária a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional, de que trata o art. 139 da Consolidação das Leis do Trabalho. 

Aproveitamento e Antecipação de Feriados

Será facultado aos empregadores a antecipação e gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais. Os empregados beneficiados devem ser notificados, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados, sendo que estes poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.

O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

Banco de Horas

Com a adoção do banco de horas fica autorizada a compensação do período de interrupção das atividades do empregado em razão da decretação do estado de calamidade pública e quarentena quando o trabalho for retomado. A compensação será feita com a prorrogação da jornada em até duas horas diárias, observado o limite diário de dez horas de trabalho.

A adoção deste sistema será precedida de acordo formal individual com o empregado ou acordo coletivo, conforme já exposto pela CLT.

O prazo para a compensação foi aumentado para até 18 meses, contados do término da decretação do estado de calamidade pública.

O empregado terá um saldo negativo inicial, a ser compensado com trabalho extraordinário no futuro.

Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho

Durante o estado de calamidade pública, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, permanecendo a exigência em relação aos exames demissionais.

Os exames serão realizados até 60 dias do encerramento do estado de calamidade pública.

Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização.

O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.

Fica suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. Estes serão realizados no prazo de 90 dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

Os treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

As comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.

Diferimento do Recolhimento do FGTS

A exigibilidade do recolhimento do FGTS, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, ficam suspensas e poderá ser realizada de forma parcelada sem incidência de juros ou multas.

*Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga é doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa; professor à contrato da Universidade La Sapienza de Roma; membro da Comissão de Direito do Trabalho do IAB; sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados

Fonte: Estadão