A importância do STF em tempos de covid-19
Luísa Bahia Barretto Corrêa da Veiga e Matheus de Figueiredo Corrêa da Veiga*
A atuação da suprema corte brasileira sempre chamou a atenção pela capacidade de proferir um número elevado de julgamentos anuais, especialmente em comparação com outras cortes constitucionais no mundo – seus 11 ministros julgaram cerca de dezessete mil processos somente no ano de 2019 . A Suprema Corte dos EUA, por exemplo, composta por nove juízes, julga até cento e cinquenta processos anualmente . Na Alemanha, com uma composição de dezesseis julgadores, sua Corte Federal de Justiça julgou pouco mais de cinco mil novos processos em 2019.
Com a velocidade de contaminação pelo novo coronavírus (covid-19) aumentando diariamente, os sistemas estatais precisam se adaptar de maneira rápida para dar conta das demandas que surgem e que têm, na maioria, caráter emergencial. Dentre tantos setores que estão trabalhando para fazer isso acontecer, o Sistema Judiciário brasileiro vem ganhando destaque, especialmente em razão do trabalho feito pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao contrário do que se pode esperar sob condições de isolamento social, houve um aumento de produtividade do tribunal neste período, conforme declarado pelo ministro. Essa produtividade elevada somente é possível em razão da digitalização dos processos judiciais, que hoje compõe cerca de 95% do volume do tribunal . Com o uso extensivo do trabalho remoto, os servidores podem dar continuidade às atividades mesmo estando isolados em suas casas, contribuindo, assim, com a rápida resposta aos processos emergenciais que dão entrada na corte em razão da pandemia.
Esta resposta rápida e eficiente às demandas constitucionais decorrentes do estado de emergência em que se encontra o país é de suma importância para a manutenção da ordem. A determinação e o esclarecimento sobre limites de competência, escopo de atuação, questões trabalhistas, dentre tantas outras questões essenciais, tornam-se base de segurança para uma sociedade que se encontra insegura e amedrontada frente às assustadoras estatísticas relacionadas à covid-19.
No que diz respeito à repercussão dos julgados do STF nesse período, a pandemia serviu de faísca oportuna para julgamentos históricos. Os problemas e situações atípicas que surgiram em decorrência da doença foram e são temas centrais de disputas de competência direta ou indireta do tribunal. Em precedente notável, o ministro Alexandre de Moraes enalteceu a importância da “cooperação entre os Três Poderes, no âmbito de todos os entes federativos” na defesa do interesse público, e assegurou aos estados, Distrito Federal e municípios competência e autonomia para a implementação e manutenção de medidas restritivas durante a pandemia, afastando assim a interferência do governo federal na adoção de tais medidas.
Na esfera do Direito do Trabalho, coube à corte julgar a constitucionalidade da Medida Provisória n. 936 , garantindo aos empregadores e empregados o direito de efetuar contratos individuais de redução de jornada de trabalho e salário, assim como de pactuar a suspensão dos contratos sem a necessidade do aval dos sindicatos. Já no que diz respeito à MP n. 927, o plenário afastou a eficácia dos artigos 29 e 31 da lei em decisão que estabelece que a contaminação por covid-19 poderá caracterizar doença ocupacional sem a necessidade de comprovação do contágio no ambiente do trabalho, bem como determinou que os auditores fiscais do trabalho devem seguir cumprindo suas funções mesmo durante a pandemia.
Em meio às acaloradas discussões acerca do compartilhamento de informações cadastrais de usuários de linhas telefônicas com o IBGE, em decorrência da edição da MP n. 954, coube à Ministra Rosa Weber ponderar sobre o sutil equilíbrio entre a proteção do individuo e o controle estatal, onde fez prevalecer a intimidade e o sigilo da vida privada dos cidadãos sobre o interesse público, por entender que aqueles estavam sob grave risco de sofrer danos irreparáveis com a efetividade da medida.
Finalmente, em sua mais recente e controversa decisão, a Suprema Corte brasileira, decidiu abrir inquérito para investigar o presidente da república , Jair Bolsonaro, com base em declarações proferidas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Não distante dos julgamentos preferenciais de questões relacionadas com a covid-19, que perfazem a maior parte dos julgados recentes da corte, este caso também pode ser visto como decorrente da pandemia que assola o país. As tensões que deram início às acusações a serem examinadas pela Polícia Federal foram aumentadas pela dificuldade de alinhamento das políticas do chefe de Estado e do então ministro da Justiça durante a pandemia.
Essas tensões vêm colocando o STF em uma posição de atuação política forte, o que não é, em princípio, sua função. Porém, no cenário caótico em que se encontra o país, com inúmeros escândalos políticos acontecendo e com a insegurança da população em razão da falta de coerência na condução das respostas à pandemia, estas manifestações são respiro de força. Em mais um exemplo de decisão de forte caráter político, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, sucessor de Maurício Valeixo no comando da Polícia Federal.
Por exercer competências em esferas tão distintas – da interpretação e aplicação da Constituição Federal até o julgamento de crimes cometidos por pessoas que têm foro privilegiado –, o Supremo Tribunal Federal recebe anualmente um volume muito acima da média mundial de processos, o que dificulta o árduo trabalho de escoamento das demandas e redução de resíduo.
Não obstante as adversidades, a corte tem também a oportunidade de marcar a história do Brasil e de influenciar o destino da nação de forma singular e por isso ganha grande destaque no contexto mundial. Insta, portanto, trabalhar com dedicação e eficiência mesmo nos momentos de exceção para oferecer para a população uma atividade jurisdicional equitativa e justa que sirva de alicerce e esperança por dias melhores.
*Matheus de F. Corrêa da Veiga é formado pelo Centro Universitário IESB, pós-graduado em Direito Trabalho e Processo do Trabalho, IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, coordenador do Livro em Homenagem ao Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, articulista do Livro em Homenagem ao Ministro João Oreste Dalazen, membro da comissão de Direito do trabalho da Seccional OAB/DF (2016/2018)/ (2019/2021). Em 2013 ingressou no Corrêa da Veiga Advogados como sócio
*Luísa B. B. Corrêa da Veiga, advogada, é formada pelo Centro Universitário IESB